SEGUINDO PISTAS
A linguagem humana é feita de palavras e de imagens.
As imagens geram palavras, que por sua vez criam
imagens. É um jogo que nos captura e que pede para que
o examinemos. Se nos deixarmos levar por ele, acabamos
por depositar, tanto nas imagens como em suas associações,
narrativas ainda inacabadas, que não foram completamente desenvolvidas. As associações entre imagens sugerem
histórias, são comentários sem palavras. Estão ali, à nossa
frente, como histórias que esperam alguém para contá-las.
É isso que as fotos de Clovis Ferreira França fazem, esse
é o jogo que nos propõem. Elas nos dão pistas de enganosos entendimentos – nos iludimos com falsas compreensões,
e assim somos levados a um território de encantamentos,
no qual as sutilezas ganham evidência e as delicadezas são
enaltecidas, celebradas. Nas páginas deste livro, as imagens
e o jogo criado pelas associações entre elas nos colocam
entre o ver e a interpretação, o imaginado. O que está
representado no trabalho do fotógrafo são artifícios para
capturar nosso olhar e fazer dele um acontecimento.
As imagens produzidas pelo artista emolduram um espaço, apresentam-se como uma espécie de palco, fazem um lugar
para que a representação aconteça. Com elas, passamos a
nos interrogar sobre nossa própria posição de seres que
olham, e a consequência dessa experiência acaba por
colocar o olhar como tema.
Quando refletimos sobre o que é a contemplação, podemos
nos dar conta de que somos atirados a sensações que não
estão exatamente no presente – recuamos incessantemente
a um passado ou a um futuro indefinido. Essa errância de
sentido é o jogo da arte.
As coisas, as pessoas e os objetos mostrados, quando
vistos sob um olhar poético, lírico, ficam isolados numa indeterminação espaço-temporal. Permanecem no território
da fascinação, mostram-se filtrados pela sensibilidade
e festejam lembranças.
Ver as presentes fotografias me faz pensar nas sensações
evocadas por elas, e a memória de um personagem pintor
de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, se impõe
para mim: “Elstir não podia olhar uma flor que não a
transplantasse a seu jardim interior, onde somos forçados
a permanecer para sempre.”
Ainda bem que falar não é ver, e que ver é um não ter
tempo de falar. Devemos nos entregar às qualidades que nos surpreendem, devemos nos entregar à contemplação destas
fotos, fazendo pausas para melhor desfrutá-las.
SERGIO FINGERMANN
PINTOR
Arles, France
2017