UM EU
Uma fotografia será sempre um retrato. Quando o fotógrafo
se expõe diante da “garganta das coisas”, haverá ou a verdade
ou o abismo. Não existe fotografia “mais ou menos”.
Uma fotografia (esse retrato) poderá ser um grito ou o
extrato de um longo silêncio. Clovis Ferreira França gosta
de silêncios. De cantos oblíquos. De luzes abissais. De uma
lucidez congelada no tempo. De cores serenas. De azuis de
noturno mar. De imagens sem rastros. De um risco fino.
De transparências. De lugares vazios. De uma solidão (essa
fabulosa conquista) repleta de significados em que a não
presença é o que transforma a imagem em memória: uma
chave, uma escada, um varal com tecidos alvos, um homem
de costas. É o mínimo. Uma fotografia de espera. Ele fala dele
mesmo, o tempo todo, para que a entrega seja sempre
o olhar do outro. De quem o vê. Dos poucos que enxergam
a cama vazia, a cadeira vazia, os livros sobre a mesa, as portas
que não se fecham. É tudo-nada, muito além. Um livro
aberto. Um veredicto.
DÍÓGENES MOURA
ESCRITOR E CURADOR DE FOTOGRAFIA
Alcatraz Island
São Francisco, USA
2015